(Araucaria) [CRAJE] 42o Aniversario - Um Clube Quarentão e seus Pensamentos

PP5AX - Carlos J Mazzoni Cintra pp5ax em craje.org.br
Terça Março 22 13:50:32 BRT 2011


Repassando um texto feito para o 42º aniversario do CRAJE (22/03/1969)...
uma historia longa para um clube de radioamadores....

 

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Enviada em: segunda-feira, 21 de março de 2011 23:13
Para: craje em googlegroups.com
Assunto: [CRAJE] 42o Aniversario do CRAJE - Um Clube Quarentão e seus
Pensamentos

 

CRAJE - Crônica de um Quarentão

 

Eu nasci em 1969, poucos meses antes do homem chegar a lua, o Brasil fervia
com os preparativos da copa no México de 70, a ditadura militar estava em
seu periodo mais duro... Que infância foi aquela! ... Eu era uma criança que
podia ter tudo, meus pais tinham um enorme amor por mim, eles eram muito
importantes na cidade, influentes e bem sucedidos, podiam me dar do bom e do
melhor. Com menos de dois anos de idade me brindaram com um quintal com
árvores enormes, mais de 2 mil metros quadrados só para mim, ao lado do
antigo camping do CCB e a menos de 500 metros do centro da cidade de
Joinville. Quando eu tinha mais ou menos 3 para 4 anos de idade, construíram
para mim uma casinha, e que casinha! ... Com tamanho de sobra para que eu
crescesse e aparecesse. Nesta casa eu poderia festejar meus aniversários com
muitos amigos, com conforto e sem problemas de espaço, tinha até uma ampla
área de estacionamento, arquitetura assinada por um grande arquiteto
catarinense dos anos 70 e tudo o mais. Logo, parte dos meus brinquedos foram
colocados no alto de uma bela torre e durante algumas noites da semana e
também nos finais de semana lá vinham meus amigos... meu pátio ficava cheio
de Variants, Fuscas, TLs, Opalas, Brasilias e até carros importados... Aos
sábados era sagrado – meus amigos vinham ficar comigo e desfrutar da minha
casa de arquitetura arrojada, minhas árvores, do cheiro de floresta quase no
centro da cidade, do barulhinho da corredeira da centenária captação de água
de Joinville...  Ficavam batendo papo e brincando com os rádios, meus
brinquedos prediletos. Eu me sentia muito feliz pois, de alguma forma, sabia
que tinha nascido para isto.

 

Certamente devia causar inveja na meninada da minha idade, tanto da minha
cidade como de muitas outras, pois que criança tinha o que eu tinha e quem
poderia dizer onde eu poderia chegar só pelo que já havia conquistado em tão
pouco tempo de vida. Tempos incríveis aqueles... eu era o centro das
atenções... festas frequentes, almoços comunitários, contestes nacionais,
internacionais, visitas ilustres, políticos, candidatos a cargos públicos,
famílias inteiras de amigos vinham ficar comigo nas noites de quarta,
quinta, sábados e tardes dos domingos. 

 

Sem dúvida eu era um menino com cara de alta sociedade, mas tinha amigos em
todas as classes sociais, pois meu brinquedo predileto não via cor, raça ou
dinheiro no bolso... mas muitos tinham até receio de se aproximar de mim,
tamanho era o luxo da minha casa, pois lá nos idos de 1975, eu certamente
era o único menino com uma casa linda e nova só para mim, especialmente
construída para minhas brincadeiras com os amigos.

 

Me lembro bem que, ainda meio menino, já me metia em assuntos de gente
grande... ajudava na localização de pessoas, colocava pessoas de outros
estados e países via rádio falando ao telefone com parentes, ajudava
encontrar remédios raros e vitais para doentes, auxiliava no contato de
pessoas sem comunicação devido a enchentes e tempestades... eu fazia muita
coisa legal...  todo ano aparecia uma novidade, um evento, uma
mobilização... que anos foram aqueles!

 

Sem perceber fui deixando de ser criança, aos 14 ou 15 anos de idade já era
um jovem rapaz quando comecei a perceber que muitos amigos que eu conseguia,
depois de um tempo me abandonavam... deixavam de ir me ver... e quando iam
me ver eu logo lhes perguntava:  - Porque diabos você esta tão sumido? As
vezes as respostas eram vagas e eu ficava sem entender, mas o que mais me
angustiava era algumas respostas do tipo:  - Eu não venho mais te ver porque
um outro amigo seu não é mais meu amigo, não gosto mais dele, ele agiu
errado comigo... Nisto eu perguntava:   -  Mas que culpa tenho eu? Porque
você não é mais amigo deste meu outro amigo, é motivo para não querer mais
saber de mim, me visitar, contar por onde anda, como esta indo,... não posso
mais contar contigo?

 

Mas naquela época de juventude a vida era frenética, trazendo sempre novas
pessoas, tinha uma turma legal, os faixas do cidadão, muitos acabavam se
tornando radioamadores e se achegavam, uns ficavam pouco comigo, outros mais
tempo... já na minha fase adulta, no alto dos meus vinte e poucos anos, o
mundo já era bem outro, tinha gente que dizia: - Este seu brinquedo já não
tem mais graça, agora o negócio é um tal de TK82, CP300, Sinclair 8085 que
rodavam um tal de CPM... este negócio de rádio, válvula, manipulador,
radioteletipo já era... Eu nem ligava muito, pois achava que o meu brinquedo
nunca poderia ser substituído por nada.

 

Me lembro bem que já adulto, entre meus 25 e 30 anos, percebi que
vagarosamente meus amigos escasseavam, minha casa já não ficava tão cheia e
raramente tinha crianças correndo em meu pátio. Não me preocupava, pois
sabia que os adultos tem menos amigos que os adolescentes, é natural, mas a
qualidade das amizades deviam ser melhores pois já tinha amizades de
décadas. Mas foi justamente por esta época que comecei a sentir o peso da
idade, pois muitos dos meus pais já não estavam mais comigo, outros apenas
se afastaram de mim... será que fiz alguma coisa errada? ... por mais que eu
soubesse que isto era natural, não estava preparado para perder meus pais,
não tão cedo, sentia muita falta da atenção e do cuidado deles, mas tinha
que entender que eles não seriam eternos.

 

Entrei na minha década dos 30 anos tentando sempre me renovar, já haviam me
avisado que minha brincadeira não tinha mais graça, mas já haviam passado os
PC XT, os AT, os 286 que eram maravilhas modernas e mesmo assim continuavam
a gostar do meu velho e bom radio. Até porque na mão dos radioamadores os
PCs viraram máquinas de Logbooks, Manipuladores de CW, Decodificadores de
Modos Digitais... saquei que este tal de PC não era um inimigo, era um
aliado... mas mesmo assim sentia que minha sala ficava um tanto mais vazia.
Seria um sinal dos tempos modernos?

 

Me lembro como se fosse hoje a conversa na minha sala sobre as BBSs, agora
era possível a troca de programas de computador através da conexão com um
servidor e termos infinitos programas em nosso poderoso HD de 270MBytes nos
nossos PCs interligados pela poderosa rede Novell 1.1 com cabo coaxial. Mas
nada me amedrontou tanto como quando, em uma tradicional reunião de
quarta-feira a noite, alguém com voz de sentença disse: - Já temos no Brasil
algumas escolas militares e pesquisadores de universidades ligados a
Internet e eles podem se comunicar e trocar arquivos livremente, se isto
pegar mesmo, ninguém vai querer ficar fora dela... acreditem... o
radioamadorismo esta com seus dias contados! O mundo desabou para mim.

 

O tempo foi passando e por um motivo ou outro a minha sala de vistas e meu
shack ficavam menos cheios. A internet era acessada por modens de incríveis
56Kbps de velocidade máxima, cabearam a cidade inteira para a TV por
assinatura, as pessoas passaram a trabalhar mais horas por dia, as crianças
passaram a exigir ir ao parque temático e ao shopping center nos finais de
semana... deve ser isto, pensei... as pessoas estão sem tempo para virem
aqui me visitar, mas quando elas tiverem um tempinho virão, com certeza... 

 

Numa manhã de Janeiro de 2002 fui surpreendido por uma cobrança de imposto
colocada embaixo da minha porta... como? Desde que foi construída a minha
casa, nunca havia sido cobrado nenhum imposto, sempre soube que tinha valor
reconhecido de utilidade pública por Lei Municipal e Estadual, desde que
tinha um ano de idade. Fiquei muito apreensivo com esta novidade, pois até
então nunca havia tido que arrecadar dinheiro para poder pagar o direito de
continuar em minha própria casa, não me foi dado o direito de gerar dinheiro
através de minhas ações, sempre me disseram para que não me preocupasse com
renda ou lucro, pois minha função era social e pública... pensei... Ok, e
agora?

 

O tempo foi passando, passando... ouvi muitas opiniões, mas ninguém me
trouxe o conforto que precisava, sinto que tenho menos amigos do que
gostaria ou poderia ter... mas, é a vida... hoje me lembro que estou
completando meus 42 anos de idade. Uma jornada e tanto, não? Principalmente
para um cara como eu, em um País como o nosso em que pouca coisa dura tanto
tempo.

 

Engraçado que muitos dos meus amigos nasceram 15 ou 20 anos depois de mim,
mas por alguma razão, eles não vêm nenhum problema em nossa diferença de
idade, aparecem sempre em minha casa, dão risada alto, fazem bagunça, fazem
perguntas e através destas perguntas me fazem sentir útil e vivo, pois sei
que tenho algo (talvez muito) a ensinar sobre nossa estranha mania de
brincar com antenas, cabos, rotores, softwares, rádios, lineares e velhas
amizades.

 

Pensando hoje, do alto dos meus 42 anos de idade, acho que não sou nem novo
e nem velho, posso até dizer que estou no meio da vida... talvez não, quem
sabe? Mas não posso deixar de ver o futuro com esperança de um lado e receio
de outro. 

 

Pode ser que continue chegando sempre gente nova em minha sala, dispostos a
aprender, ensinar, compartilhar conhecimento e dispostos a cuidarem um pouco
de mim, desta forma, o ciclo continuará por muito e muito tempo e eu sempre
estarei feliz com meu destino.

 

Por outro lado, sei que se um dia não houver nem um pequeno grupo de amigos
para zelar por mim, estarei acabado definitivamente, mas espero que se isto
acontecer um dia, não me deixem acabar como um velhinho abandonado em um
asilo, sem ninguém para compartilhar meus últimos dias, relembrar os grandes
momentos, contar velhas histórias, ficar com meus QSLs... sabe, prefiro
morrer de súbito a uma lenta agonia do abandono, mas para ser sincero, por
este lado procuro nem pensar.

 

CRAJE – PP5CIT - em seu 42º Aniversário

PP5AX – Carlos J. M. Cintra – 22/03/2011

 

SE você leu esta crônica até aqui, certamente não vai deixar de ir
CUMPRIMENTAR SEU CLUBE na festinha de aniversário dia 26/03 (SABADO) a
partir das 19:30h VAI TER UM SABOROSO GALETO NA BRASA. SERA ENVIADO UM
COMUNICADO COM OS DETALHES.

 

73's

Carlos J. Mazzoni Cintra - PP5AX - Joinville - SC

Tel (47) 3027-4392 ou (47) 8859-6909

 

 

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