(Araucaria) Mais uns cinco dedos e meio de prosa.
Fábio Vieira Martins
pp5bz em hotmail.com
Quarta Dezembro 14 22:53:02 BRST 2011
Fantástico!!!
PS5F DXpedition
Santana de Fora Is
SA-088, DIB SC-10
03 a 06/02/2012
From: pp1cz em terra.com.br
To: araucaria em araucariadx.com
Date: Wed, 14 Dec 2011 22:40:48 -0200
CC: dxbrasil em googlegroups.com; xavier.py7zy em gmail.com
Subject: (Araucaria) Mais uns cinco dedos e meio de prosa.
Boa noite amigos.
Mais um Conteste acaba e sempre temos aquela sensação de que poderíamos ter feito melhor, que deveríamos nos dedicar mais um pouco, que deveríamos melhorar nossas estações, etc.
E assim os projetos vêm à mente e nos movem para frente, sempre com o objetivo palatável de melhorar nossas estações, de nos superarmos.
E assim se foi mais um ARRL 10 Meters Contest.
Tive, mais uma vez o prazer de estar na ZX5J, em companhia deste nosso irmão, Sérgio – PP5JR e um grupo de crianças maravilhosas fazendo o Conteste.
Depois de tudo, me perguntei: Eles fizeram o Conteste conosco ou fomos nós que fizemos com eles? Acho mais provável que tenhamos sido eu e o Sérgio que fizemos o Conteste com eles, tamanha desenvoltura e competência com que conduziram espetacularmente a ZX5J. Fomos meros (e felizes) coadjuvantes.
Usar esta estação, ZX5J, requer muita responsabilidade e habilidade, pois o ganho das antenas é algo de espetacular, e não é fácil gerenciar os pile ups, francamente.
Quando em 2009, no delicioso Encontro do Araucária em Natal, tomei conhecimento deste projeto do Sérgio, fiquei tentado em participar.
No ano passado, recebi um e-mail do PP5JR, me colocando ao par de seu projeto de eleger um Conteste do ano, para que os pequenos pudessem fazê-lo, estar presentes na Banda, com a voz deles, com o sinal deles, com a competência deles.
O Sérgio me disse de todas as suas aspirações, e me fez um maravilhoso convite de fazer parte do time deles, como operador de CW.
Não sei o que motivou o Sérgio em me convidar, mas conjecturo que talvez seja coisa de Deus, pois só Ele sabe o quanto eu amo crianças, e estar num Conteste com meio time de crianças, seria um sonho.
Aceitei imediatamente o honroso convite e levei junto, já no ano passado, meu filho mais velho, Gabriel, então com 13 anos.
Após a primeira experiência no ARRL 10 de dezembro do ano passado, me vieram lembranças de um passado que parece distante e parece que foi outro dia.
Aqui começa minha narrativa do por que d’eu achar o projeto do Sérgio fantástico:
Nos idos de 1979 eu era Faixa Cidadão, então com 18 anos de idade.
Adorava aquele brinquedo que me proporcionava uma das mais fascinantes experiências à que um ser humano pode conhecer: viajar à velocidade da luz e conversar com os mais distantes rincões do planeta. Havia a barreira da língua para mim, àquela época. Havia também a barreira de conhecimento, de antena, de rádio, mas minha alegria era imensa e superava as dificuldades inerentes à pouca experiência deste novo mundo.
Naquela época já esbarrava nos problemas de clandestinos na Faixa, palavrões que se falavam no ar, brincadeira de gosto duvidoso, gente fazendo coisas que eu julgava erradas.
Volta e meia ia ao extinto Dentel (hoje Anatel) e fazia queixas bem humoradas com os fiscais e com a Secretária de então, Sr.ª Kátia, que nos tratava com uma educação e presteza ímpares.
Dado momento, minhas reclamações apertaram e a Sr.ª Kátia me sugeriu: Leonardo, por que você não estuda e faz prova para Radioamador? Ali não existem tantos problemas dos quais você se queixa tanto.
Aceitei sua sugestão, fiz prova com uma senhora que também se chamava Kátia, que vinha do Rio de Janeiro aplicar as provas. Todos morriam de medo daquela senhora corpulenta, mulata, com cara de brava, bem ao estilo do rigor com que era encava o ofício que desenvolvia.
Fiz a prova, passei para a Classe C e fui agraciado com o Indicativo de Chamada PU1AAJ.
Lembro-me bem que então comprei um Deltão 500, que freqüentou o espaço debaixo da minha cama por alguns anos, até que eu tivesse antena para HF.
Mas naquela época eu já tinha feito uma antena para VHF e tinha um rádio, com os quais fazia dezenas de contatos todos os dias.
Pronto, o brinquedo estava de volta.
Naquele ano completaria 24 anos de idade e comecei a fazer DX em 80 Metros, com uma antena W3DZZ em V Invertido com o meu Deltão, incentivado pelo meu tutor PP1BG – Patrick (SK), que já foi tema de prosa anterior.
Quantas dificuldades, mas também quantas novidades se descortinavam para mim naquela época.
Comecei a aprender CW e em pouco tempo já me aventurava também pelo som da deliciosa música dos DÍS e DÁS do Condigo Morse.
Naquela época me chamavam de “garoto”. Eu era jovem (ainda sou, mas segundo alguns amigos, um pouco gasto pelo uso) e era considerado por muitos e chamado de “o futuro do radioamadorismo no Espírito Santo”.
Confesso, com algum rubor, que me sentia feliz e orgulhoso de ser assim considerado e chamado por tantos radioamadores que eram meus ícones, e em fazer parte de uma casta que era considerada o futuro do radioamadorismo.
Lembro-me nesta época, de minhas cartas trocadas com vários experientes radioamadores de então, como o PY1AFA, PY1CC, PY2DBU, etc.
Eu era o FUTURO do radioamadorismo capixaba.
Eu era.
Passados mais de 25 anos, hoje com 50 anos de idade eu não sou mais o futuro do radioamadorismo capixaba.
Eu sou o presente.
Sim.
Me dei conta que o tempo passou, e com ele realizei quase todos os sonhos que tinha desde então (ainda falta fazer uma grande DX-Pedition à P5 na companhia de alguns amigos – quem sabe).
De futuro eu passei à presente.
E me dei conta também de como esta atividade, hobby, ou que adjetivo se queira nominar, teve importância em todos estes anos em minha vida.
Raros foram os hiatos que tive sem estar ativo no rádio.
Quantas coisas me foram somadas, quanta experiência, quantos amigos fiz, quantas alegrias e também tristezas e frustrações, pois estas também fazem parte de qualquer atividade do ser humano.
Aprendi um pouquinho de algumas línguas, viajei, conheci lugares, pessoas, culturas, culinárias, etc.
Visitei muitos lugares em meu pensamento, viajei em cada QSO que fiz, como numa obra de ficção, em que nos tele transportamos, visitei o shack, a casa, a família, a vila e a vida de tantos de nossos pares com os quais fiz contato em todos estes anos.
Aprendi história, geografia, geopolítica, respeito (ainda mais), opiniões... puxa, foram tantas as experiências que não me permitiria tomar ainda mais o tempo dos amigos que se dêem ao trabalho de ler esta dissertação.
E as experiências se renovam a cada novo contato que faço.
Mas estas experiências me mostram que já passei de futuro a presente.
E qual será a próxima etapa? Passar a ser passado do radioamadorismo? Talvez sim.
Mas como passar a fazer parte do passado se não deixar o meu legado às gerações vindouras?
Como poderei fazer parte de um passado, de uma história, se não contei a minha saga aos que serão o futuro de minha atividade?
E as experiências, e as culturas, as alegrias, tristezas, para quem deixarei?
Serei eu ainda capaz de ser o futuro, ou tenho o compromisso, me deixado pelos meus tutores, de passar a (pouca, talvez) experiência que tive, para aqueles que, agora sim, serão o “futuro” do radioamadorismo, como já fui um dia?
Voltando ao presente, me vejo, no fim de semana passado, no meio de 03 crianças de 13 e 14 anos de idade, participando de uma competição mundial e internacional de radioamadorismo.
Onde estavam estas crianças? Estavam na rua? Estavam se perdendo, como temos visto com grande tristeza os nossos jovens se perderem, seja no álcool ou nas drogas, ou na marginalização, na prostituição? Estavam sem esperanças, jogados, sem futuro?
Estas crianças estavam em frente a um rádio, numa competição sadia, conversando com gente de todo o mundo, trocando aquilo que para eles será de fundamental importância para forjar suas personalidades: cultura.
Falavam em inglês. E não era um inglês básico, de quando eu tinha 13 ou 14 anos, em que se aprendia o básico do básico, como no velho jargão “The book is on the table”, se me permitem a brincadeira.
Falavam inglês com fluência, com desenvoltura. Alfa, Bravo, Charlie, Delta, Tango, Mike. Palavras soltas, que para qualquer um poderia parecer mais um daqueles muitos verbetes gregos que designavam alguma coisa num passado distante, é o Código Fonético Internacional, declinado com perfeição pela Bia, Vitor e Dudu, na ZX5J.
Estas crianças foram inseridas por seus pais no radioamadorismo por alguma razão, mas permanecerão não por uma razão qualquer, mas por perceberem e descobrirem o quanto esta atividade é lúdica, é prazerosa, o quanto nos soma.
Porque o Sérgio – PP5JR, e o Mauro – PP5MCB, fizeram com que a Bia – PU5BIA, o Dudu – PU5FJR, e o Vitor - PU5DCB, se tornassem radioamadores? Para prosseguir seus legados? Para terem companheiros que tenham a mesma afinidade? Para que eles conheçam culturas, línguas, aprendam tantas outras coisas que nos somam o radioamadorismo? Talvez para garantir o continuação e o futuro do radioamadorismo, um futuro que já foi os pais deles em que agora o bastão os será passado? Talvez até mesmo para que eles tenham uma atividade que os leve para bem longe dos caminhos tortuosos que a vida os oferece?
Amigos, certamente cada um de nós terá uma resposta, ou mesmo todas elas as sejam, mas é realidade que temos uma nova casta de grandes radioamadores sendo forjada em nosso país, o que muito nos orgulha, e que garantirá o futuro de nossa atividade, e se configurará, não tenho dúvidas, num dos mais firmes pilares que nortearão a vida destes futuros cidadãos.
Por isto Sérgio, quando você me apresentou seu projeto, não tive dúvidas de que seria algo grandioso, que frutificaria, que nos traria alegria.
Alegria esta que para mim, estará completa quando meus filhos fizerem parte deste maravilhoso time que operou tão habilmente a ZX5J neste ARRL 10 Meters Contest 2011, e no momento em que a estação seja operada 100% por eles, somente por eles.
Amigos, miremo-nos no exemplo do Kids Day, tão bem conduzidos pelos amigos Felipe e Fábio do Rio DX Group. Miremo-nos nos exemplos dos mais longínquos lugares deste planeta onde hajam crianças iniciando sua vida radioamadorística e apoiemos estas iniciativas, multiplicando-as dentro de nossos lares, de nossos shacks, para que tenhamos à quem passar o bastão, no dia em que não façamos mais parte do futuro do radioamadorismo.
Neste dia, amigos, passaremos de futuro, de presente e talvez até mesmo de passado, para fazermos parte da história desta atividade.
Com minhas desculpas pelo tamanho do texto, deixo a cada um que teve a paciência em dedicar 10 minutos de seu tempo para ler este relato, deixo meu mais carinhoso e forte abraço.
PP1CZ - Léo.
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