(Araucaria) Rodadas

Ricardo docric em skonline.com.br
Domingo Novembro 4 14:30:58 BRST 2007


Grupo,
desculpem o off-topic, mas o texto merece nosso aplauso.
Moita - PP5SM

RADIOAMADORISMO: 
MANUTENÇÃO DE VELHAS AMIZADES!

Ógui Lourenço Mauri (PY2EEL)
- Sócio remido da LABRE -

                     Ingressei no radioamadorismo em novembro de 1966; na época, compulsoriamente na Classe "B",  pois já era um marmanjo e a Classe "C" -- o segmento "Juvenil" da legislação de então -- era reservada exclusivamente aos menores de 18 anos. Também posso dizer que sou do tempo em que grassava pelas bandas o "CQ" ("chamado geral" ou "chamada geral"; ambas  as formas corretas), enquanto as rodadas eram raras ("Rodada do Chimarrão", "Rodada do Aperitivo", "Patrulha da Madrugada", "Rodada da Aproximação", "Rodada do Caminho da Roça" e algumas outras), todas caracterizadas por "QTR" e "QRG" estratégicos e voltadas com inflexível prioridade para o trânsito de mensagens urgentes e necessárias, numa época em que os meios de comunicação (telefone, em especial) ainda engatinhavam num Brasil de dimensões continentais. 
                   Mais tarde -- mas muito mais tarde, mesmo -- , provavelmente pela chegada dos colegas egressos da "Faixa do Cidadão", acostumados ao sistema canalizado dos "11 Metros", com vários operadores atuando numa única "QRG" ao mesmo tempo, foi que a "febre" das rodadas passou a ser "regra geral", proliferando nas bandas de atuação de radioamadores brasileiros e empurrando para o esquecimento -- em nosso país, tão-somente -- o "QSO" a dois e o "CQ... CQ... CQ..., Chamado Geral".

                   Quando tínhamos o "Chamado Geral" como a prática mais usual entre nós, dizíamos, com propriedade, que o radioamadorismo se constituía -- principalmente nos 40 metros -- numa "fábrica de novas amizades". Era raro o dia em que não conhecíamos novos colegas e amigos após um "CQ 40 metros", indiferentemente se o "Chamado Geral" fosse de nossa iniciativa ou da do companheiro que se esgoelava na freqüência em busca de um "QSO".

                   E era tão bom! Ao correr a banda e ao ouvir um "Chamado Geral" de alguém já conhecido -- com quem já tivéssemos feito o "primeiríssimo", no linguajar de então --, preferíamos dar-lhe uma breve saudação sem permanecer na "QRG"; deixávamos que ele prosseguisse na busca de novos amigos. E esses primeiros contatos eram religiosamente assinalados (ou comemorados) com a troca de cartão "QSL", independentemente do modo do comunicado (fonia ou cw), bem diferente, aliás, dos dias atuais, quando à grande maioria dos colegas foi ensinado, não se sabe por quem, que só devem merecer o envio da "cartolina" os contatos em telegrafia.

                   Num crescer constante e rápido, as rodadas tomaram conta das bandas, em especial dos 40 metros. Hoje, se você começar a fazer um "Chamado Geral", é bem provável que seja alvo de alguma brincadeira de mau gosto. Mas certamente será contestado por um ou dois companheiros; iniciará um bate-papo, mas... daí a pouco, a rodada estará formada. Não se fala mais em 40 metros se não for em rodadas... Mesmo porque quase não há gente nova na banda e praticamente todos que por ali passam são conhecidos entre si; são "velhos" amigos.

                   Não posso negar que tenho saudade dos comunicados (QSO) de outrora. Diferentemente das rodadas de hoje, aqueles contatos ofereciam condições de você "viajar" com cada colega, em diferentes cidades, em momentos diversos. No bate-papo a dois, você ficava conhecendo melhor o novo amigo, sua cidade, sua família; trocava informações (sobre eletrônica, geografia, atualidades), expandindo o cabedal de cultura dos interlocutores. E isso não tem sido possível exercitar nas rodadas. Nessas, quase nada se esboça além dos cada vez mais minguados "estouros" de "QTC" e da surrada mesmice dos repetitivos cumprimentos aos "velhos" amigos de todos os dias e a suas esposas e familiares, tudo precedido por uns vinte ou trinta minutos de espera para um minuto de prosa, se tanto. Ademais, não raro nos encontramos com um mesmo colega por duas, três, quatro vezes no dia, nas diversas rodadas, repetindo-lhe (e ouvindo) sempre as mesmas saudações, os mesmos assuntos e palavreados. 

                                Nada contra as rodadas; elas também têm seu valor. Não posso e não quero desmerecê-las; afinal, não faz muito tempo que eu "enganava" como coordenador da tradicional e concorridíssima "Rodada Trem das Onze" (7,120 Mhz, diariamente, das 10:30 às 12:30 horas). Através das diversas rodadas, tenho mantido (muitas) velhas amizades e conquistado novos colegas de rádio; estes, porém, com números quase estancados, pari passu, aliás, com o inegável "despovoamento" das bandas nos dias presentes, num fenômeno provocado pelo avanço da tecnologia (Internet, em especial), mas também pelos descaminhos da pirataria e da habilitação ilícita, fatores que macularam a qualidade do radioamadorismo brasileiro, afugentando muitos adeptos para sítios de entretenimento mais seletos, obedientes à legislação e melhor afeiçoados à ética operacional.

                   Assim, pelos acanhados números de renovação e conseqüente envelhecimento da faixa etária dos praticantes, podemos dizer que o radioamadorismo no Brasil percorreu, nos últimos anos, uma estrada muito bonita, com alguns desvios, é verdade, mas com a prevalência  de grandes retas, enfeitadas com vistas panorâmicas da amizade, dos bons costumes e da prestação de serviços desinteressada. Foi através desse caminho que o radioamadorismo brasileiro saiu da condição de "uma fábrica de novos amigos", nos tempos do "QSO" a dois, para alcançar, nos dias atuais, por forte influência das rodadas, que se sucedem nas 24 horas do dia sempre com os mesmos participantes, o "status" de incontestável instrumento de "Manutenção de Velhas Amizades". 
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